quinta-feira, 30 de junho de 2011

O TESOURO

    Dizem que numa fazenda abandonada de Jacareí, um coronel enterrou um grande tesouro. Esse sujeito era muito avarento e morreu antes de contar onde estava a fortuna.

    O lugar era tão assustador que os cavalos refugavam quando passavam em frente à porteira.

       Só o Raimundo carpinteiro, doido pra achar o tesouro, não dava trela pra isso. Toda semana ele entrava na fazenda, cavava, revirava em volta da casa, até quebrava parede pra ver se o tesouro estava entaipado. E nada de encontrá-lo.

     O Raimundo tinha um primo chamado João Rabiola, um sujeito aluado que perambulava pelas ruas da cidade, com suas roupas esquisitas e cheias de penduricalhos.

     Cada dia, João estava num lugar, ensinando a criançada a fazer pipa, jogando bolinha de gude, brincando de pula-sela. Às vezes, falava sozinho, não dizia coisa com coisa e por isso o povo achava que ele era zureta.

   Uma vez, chegando em casa, o Rabiola viu uma assombração. Era um homem velho, de bigode e chapéu, com uma cara sisuda.

     João saiu correndo e foi dormir na casa do primo Raimundo, mas não contou nada pra ele.            

      A partir daí, o homem assombrado começou a aparecer pro João quase todo dia: na sua casa, na rua, até nas festas da roça que o João Rabiola ia com o primo Raimundo.

     Era sempre a mesma coisa. João esbugalhava os olhos, o coração saía pela boca e perna pra quem tem.

  De manhã, João fazia oração pra encaminhar a alma do desafortunado. À noite, topava com ela.


        O aluado já estava cansado de acender vela, encomendar missa, até que um dia encontrou com a Tiana benzedeira, na saída da igreja.

     A benzedeira, acostumada com essas conversas do além, falou pro João Rabiola encarar a assombração e perguntar o que queria dele.

    Na semana seguinte, voltando da festa de São Benedito, João topou de novo com a alma penada. Tomou coragem e perguntou o que ela queria, afinal de contas.
     
     João não sabia é que a assombração tinha uma boa surpresa pra ele, mas já estava até desistindo de ajudá-lo.

     Então o Rabiola escutou o homem assombrado, mas na hora não acreditou muito no que ouviu. Pensou que tinha tomado café demais na festa e estava variando das ideias.

      Na manhã seguinte, João procurou o Raimundo.

      - Primo, eu falei com a alma do fazendeiro, o dono do tesouro.

      Raimundo ficou só olhando.

     - E ele me contou onde está enterrada a fortuna. Você quer ir lá desenterrar comigo?

      Raimundo deu um tapinha nas costas do aluado.

    - Quero, João. No dia de São Nunca – e se despediu com um risinho debochado.

     Logo que tiveram essa prosa, João deu uma sumida. Dizem que uns meses depois, Rabiola apareceu na cidade e até fez o comércio parar.

    João Rabiola chegou num carro preto e lustroso que era um negócio de louco, uma modernidade só! Nunca ninguém tinha visto um carro por essas bandas.

    Na praça do centro, ele distribuiu um saco de brinquedos pra criançada e foi aquela festa.

    De lá, João foi até a casa da Tiana benzedeira e deu um presentão pra ela.

   Antes de sair de Jacareí, o rapaz ainda passou na casa do primo.Como Raimundo não estava, João Rabiola deixou um presente pra ele com o cartão escrito:

    Ao primo Raimundo, que não acredita na história dos vivos, muito menos nos segredos das assombrações, aqui vai uma lembrança...         
                                                                      (do livro "Encantos e Malassombras de Jacarehy")

quinta-feira, 23 de junho de 2011

ROSALVO VALENTÃO

     O povo conta que por aqui os boiadeiros sempre foram valentes. Porém, nenhum mais valente que Rosalvo.

     O homem era bravo, não tirava o canivete do bolso nem pra rezar terço. Tinha uma fé tremenda em Santo Onofre, toda noite punha uma oferendinha pro santo embaixo da cama.

   Rosalvo não tinha medo de nada. Era um homem precavido, andava com um patuá de guiné, arruda e alho. Dizem que tinha o corpo fechado, nenhum mal o atingia e o boiadeiro falava:

     - Ninguém me pega, não tem mundel que me cace!

     Numa noite fria de lua cheia, Rosalvo vinha a cavalo, tocando uma junta de bois, quando deu de cara com uma sombrona.

  Os boiadeiros, numa situação dessas, tiravam o chapéu e chamavam:

     - Valei-me, Nossa Senhora!

   Com Rosalvo foi diferente. Logo que topou com a aparição, firmou a vista. Viu um bichão preto, todo peludo, uma coisa feia de arrepiar. Era o lobisomem!

    O cavalo, que já estava arredio, empinou. O Rosalvo, corajoso que só ele, não pestanejou. Deu um salto e caiu montado na assombração.

     O lobisomem, desnorteado, saiu em disparada.

     Rosalvo valentão segurou forte o bicho.

   Passava árvore, Rosalvo abaixava. O vento vinha gelado e zunia no ouvido do boiadeiro. E o bichão corria.

  Aparecia pedra, buraco, o lobisomem pulava. Os animais que estavam pela frente corriam assustados, mas o Rosalvo continuava firme no lombo do bicho.

    Os pés do lobisomem no chão pareciam trovões. O cheiro do seu pelo vinha forte no nariz do boiadeiro. E o bichão corria!

    Pra encurtar a história, quando chegou na beira do rio Paraíba, o lobisomem parou de repente e o Rosalvo foi jogado lá no meio do aguapé.

   Limpando a lama do rosto, o boiadeiro lembrou que a água é sagrada e nenhuma assombração passa por ela.

     O lobisomem? Parece que está correndo do Rosalvo até hoje. 

                                                    (do livro "Encantos e Malassombras de Jacarehy")

quinta-feira, 16 de junho de 2011

CORPO SECO - ESTAMOS NO MAPA CULTURAL PAULISTA

     Olá, internautas!

     O conto "Corpo Seco", da autoria de Tati Baruel (e colaboração de Elton Rivas, Érica Turci e Stela Lemes), passou na primeira fase do Mapa Cultural Paulista: a municipal.

     Ir para a fase regional já seria uma alegria para esta assombração, mas estou deveras encantado porque o conto selecionado é justamente o que fala sobre mim. 

    Achei muito bacana! (por sinal, gostei de usar essa gíria)

     No livro, o conto é um dos últimos, mas devido a esta seleção, os autores decidiram antecipar a sua publicação. Ele segue abaixo.

     Abraços cordiais!


     CORPO SECO

      Naquele tempo em que o galo acordava mais cedo, acontecia uma coisa muito tenebrosa.

     A pessoa que fazia muitas maldades ao longo da vida, quando morria, nem a terra aceitava e jogava o corpo pra fora.

     A pele da pessoa secava em cima dos ossos, o cabelo e as unhas continuavam a crescer. Então ela virava uma criatura medonha: o Corpo Seco.

     O Corpo Seco sempre queria voltar para o lugar onde tinha vivido. E quando chegava lá, não saía de jeito nenhum.

     Certa feita, um sujeito chamado Eloíno Gandú, mais conhecido como Nonô, comprou um sítio por preço de banana.
     

     Na época, o rapaz achou que tinha feito um ótimo negócio. O sítio tinha uma casa boa, baias, lago e pomar.

     Mas a alegria de Nonô durou pouco. No dia em que ele ia se mudar, começaram a acontecer umas coisas...

     Primeiro ele tentou entrar pela frente da casa. Girou a chave, a fechadura destrancou, mas a porta não abriu. Nonô empurrou a porta destrancada e nada, ela nem se moveu.

     O moço então deu a volta e destrancou a fechadura da cozinha.  Forçou a porta, mas ela também não abriu.

     Dali a pouco, começou uma ventania tão forte que carregou o chapéu do Nonô pra longe.

     Desconfiado, o rapaz foi até a cidade para assuntar sobre o acontecido.

     No Mercado Municipal entendeu porque o sítio tinha sido uma ninharia. Contaram pra ele que naquela casa morava um Corpo Seco, um fazendeiro ruim que era uma praga na sua época de vivo.

     Nonô voltou ao sítio, decidido a negociar com a assombração.De fora da casa, ele ofereceu tudo: missa, cavalo, dinheiro, jóias, viagem pro Rio de Janeiro, mas nada adiantou.

     As portas não abriram e, pra piorar, a ventania voltou mais forte do que antes.

     O moço já estava desesperado e foi aí que lhe falaram da Tiana benzedeira.

     No mesmo dia, Nonô procurou a mulher. Então ela disse o que era pra ser feito e lhe deu um patuá.

     Nonô encomendou uma tesoura de prata, a única que o Corpo Seco aceita, e voltou ao sítio assombrado.

     Chegando lá, gritou:

     - Boa tarde, seu Corpo Seco. Hoje eu trouxe uma tesoura de prata, do jeito que o senhor gosta, pra cortar as suas unhas e o seu cabelo.

     Imagine se a criatura não ia gostar? Tantas décadas naquela casa, com as unhas enormes e o cabelão que não parava de crescer!

     Nonô segurou forte o patuá, se benzeu e conseguiu entrar pela porta da frente, que se abriu sozinha.

     Quando chegou na sala, viu o Corpo Seco sentado no sofá, com a cabeleira batendo no chão e as unhas que mais pareciam ganchos.

     Nonô se aproximou e já foi tirando a tesoura de prata do bolso.

     O Corpo Seco mostrou primeiro os cabelos e o moço foi cortando.Encerrado esse serviço, foi a vez de cortar as unhonas.

     Assim que terminou as unhas da mão direita, Nonô disse para a assombração que precisava ir a um casamento, mas voltaria no dia seguinte.

     A criatura ficou desapontada, mas não tinha o que fazer.

     No outro dia, Nonô voltou ao sítio e lá de fora começou a prosa.

     - Seu Corpo Seco, boa tarde. Eu vim, conforme o prometido, mas tenho uma coisa pra falar pro senhor.

     Silêncio.

     - Eu só corto as unhas da mão esquerda, se o senhor se mudar para aquele sítio, que também era seu, lá no Morro da Onça.

     Silêncio.

     - O sítio está abandonado, não tem ninguém morando lá. A casa está mais conservada que essa e o lugar é sossegado, o senhor deve se lembrar bem.

     Silêncio.

     - Estou aqui, à disposição, pra levar o senhor até a sua outra casa.

     A porta se abriu. Saiu o Corpo Seco de lá e montou nas costas do rapaz.

     Todo ano, por via das dúvidas, Nonô ia ao Morro da Onça cortar as unhas e os cabelos do Corpo Seco.

     Era o jeito de garantir que a criatura não voltaria pra casa antiga.Afinal, nunca se sabe o que se passa na cabeça de uma assombração.



                                                                                  (do livro "Encantos e Malassombras de Jacarehy")

quinta-feira, 9 de junho de 2011

TIANA E QUINZINHO

    

     Na região do Mato Dentro, moravam os irmãos Zé Curió e Tiana, que estavam sempre com o amigo Quinzinho.

    Tiana, Zé Curió e Quinzinho nadavam no rio, ajudavam na roça, montavam a cavalo e passeavam na cidade. Lá, aprendiam com o padre o catecismo, muitas rezas e os nomes dos santos.

   As crianças contavam os dias para ir à cidade e ver a Maria Fumaça. O trem passava apitando e deixando um rastro feito algodão no céu.

   Naquele tempo, tinha muita festa em Jacareí: Festa de São Benedito, de Nossa Senhora do Rosário, do Divino e outras festanças.

     Os três amigos gostavam das rezas, de ver o pessoal dançar catira e moçambique, das cantorias, da comilança e dos doces. 

     Certa feita, o Zé Curió disse que conhecia uma festa encantada, lá do tempo dos escravos. O Quinzinho não acreditou, e até que chegasse o dia, ficou caçoando do Zé.

    No primeiro dia daquela primavera, as crianças brincaram de descer o barranco em cima das folhas de bananeira, jogaram pião e pularam corda até o sol se pôr. Quando a lua já estava alta no céu, Zé Curió levou o Quinzinho pra ver a tal festa.

     Chegando lá, encontraram uma fogueira enorme e vários homens tocando tambor em volta dela. O festejo era muito animado, as mulheres dançavam com as saias rodadas, uma coisa linda!
 
     Durante a festa, foi plantada uma bananeira. Em poucos minutos a árvore cresceu e deu cacho.

     O Quinzinho ficou de boca aberta.

     Todo mundo comeu banana e outras comidas boas que tinham na festa, e o Quinzinho até guardou um biscoito de polvilho pra levar pra casa.

    No dia seguinte, os dois meninos foram pescar no Paraíba e logo que apertou a fome, Quinzinho pôs a mão no bolso pra pegar o biscoito de polvilho. Mas quando olhou, cadê o biscoito? O que ele tinha na mão era um sabugo de milho.

     O Zé Curió riu a valer do susto que o amigo levou.

 Depois disso, Quinzinho nunca mais duvidou do Zé Curió.                                                      
                                           ...

    Tiana e Zé Curió tinham uma avó que se chamava Ditinha. Ela era benzedeira e conhecia as ervas desde o tempo em que tinha sido escrava. Com ela as três crianças aprendiam rezas, simpatias e um jeito bonito de olhar a Natureza.

     Se a vó ia entrar na mata ou colher uma erva pra fazer remédio, pedia licença. A vó Ditinha sempre pedia permissão pra entrar na casa dos bichos, das plantas e de tantos seres de Deus.

     Havia o jeito e a hora certa de colher as plantas. Algumas, a vó  raizeira ensinava que era pra pegar no orvalho da manhã, outras, só em noite de lua nova. Cada uma tinha a sua delicadeza.

     Todo dia, Tiana e Quinzinho aprendiam uma coisa diferente com a  vó Ditinha. Já o Zé ficou mais interessado em tocar sanfona.

                                           ...

     Primavera veio, primavera foi, e o Zé Curió virou um sanfoneiro de dar gosto.

    Tiana e o Quinzinho resolveram seguir o ofício da vó Ditinha.      

     Sempre que alguém ficava doente, com mau olhado, agoniado ou desenganado, os parentes chamavam a Tiana ou o Quinzinho.

     Às vezes, nem precisava chamar. Os benzedeiros iam pra casa da pessoa, antes mesmo de serem avisados.

     A Tiana também era parteira. Só com a reza, ela conseguia virar a criança que não estava do jeito certo para nascer.

   O Quinzinho e a Tiana ainda faziam mezinhas pra curar cavalo, cachorro, pato, cabrito e toda sorte de bicho.

      O tempo foi passando como um rio...

   Os cabelos dos benzedeiros ficaram brancos, as ruguinhas tomaram conta do rosto e eles começaram a ser chamados de vó Tiana e vô Quinzinho.

    Contam que a vó Tiana, às vezes, desaparecia sem quase ninguém perceber. Se a conversa não estava boa na cozinha, ela sumia e logo aparecia no meio do mato, mexendo com a terra.

      E dizem que todo ano, quando era aniversário do vô Quinzinho, sua casa ficava rodeada de borboletas coloridas, até
o anoitecer.

                                                    (do livro "Encantos e Malassombras de Jacarehy")

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Equipe J Leiva e NovaDutra

quarta-feira, 8 de junho de 2011

CONTAÇÃO

     Naquele tempo, tudo era motivo pra contação.

    Debulhando milho, tomando café com biscoito, descansando de uma cavalgada, pintando a Bandeira do Divino. Sempre que alguém fazia alguma coisa, contava uma história.

    As cadeiras ficavam na varanda e a prosa rolava solta. Saía história malassombrada, encantada, história por demais.

    A vida era diferente. Quando o pai falava, o filho abaixava a cabeça. Um acordo era garantido com o fio do bigode. Se aparecia brotoeja, a mãe curava com simpatia. E vira e mexe, alguém topava com uma assombração.

    Havia muitos raizeiros e benzedeiras em Jacareí. Tinha simpatia, remédio e benzedura de tudo quanto é jeito. Pra arrumar marido, tirar quebranto, não faltar comida em casa, curar doenças e por aí vai.
  
     As benzedeiras e os raizeiros tiravam berne, verruga, bicho do pé, amarelão, bucho virado e até doença que ninguém sabia curar.

     O povo conta que existiam duas qualidades de assombração: as boas e as ruins.

    As boas eram as que ficavam por aí, coitadas, presas nesse mundo. Às vezes, era uma alma penada que procurava alguém pra terminar uma promessa não cumprida em vida.

     As assombrações ruins eram as escalabrosas, que assustavam e prejudicavam quem aparecesse pelo caminho.

     Como o Saci, que só reinava, escondia as coisas, trançava a crina dos cavalos e fazia muita arte. Dessas assombrações, o povo tinha medo até de falar o nome.

    Dizem que o tempo passava devagar e a Natureza era como a casa das pessoas. Todo mundo cuidava mais do rio, dos animais e das plantas.

     Naquela época, as coisas passavam a existir só de se falar nelas. O mundo encantado e o mundo real eram quase a mesma coisa.

                                                    (do livro "Encantos e Malassombras de Jacarehy")
                                                

terça-feira, 7 de junho de 2011

OLHAR AGUÇADO

  Sarkis é de Santa Branca, quase um patrimônio da cidade, pelo seu conhecimento das histórias do município e do Vale do Paraíba. Até eu, Corpo Seco de Jacareí, sei da sua fama.

  Seu olhar aguçado, traz para nós o passado, sem perder de vista o presente e projetar o futuro.

  Os autores contam que Sarkis foi um importante entrevistado na fase da pesquisa, que os inspirou durante a criação do livro Encantos e Malassombras de Jacarehy e deste blog.

  Qualquer hora aparecemos por aí, Sarkis!



quinta-feira, 2 de junho de 2011

DONA NENÊ

Olá, internautas

Antes de começar a postagem dos contos do livro, envio para vocês algumas palavras da autora Tati Baruel.

Abraços

Corpo Seco
                                                

Estava aqui vendo as fotos da prosa com a Dona Nenê.

Câmera no tripé, café na mesa e tartaruga no chão.

Dona Nenê montava a cavalo aos oito anos, brincava de descer o barranco na folha de bananeira, danada que só ela.



Lembrei da Flora, minha sobrinha. Se ela vivesse naquele tempo, seria a melhor amiga da Dona Nenê. 

Quando eu era criança queria ser dançarina, mergulhadora, bateirista, astrônoma,  cantora,  química, paraquedista,  mágica  e  escritora.

Dessas profissões, teve uma que não desgrudou de mim: a de contar histórias. E com ela, eu podia viver todas as outras.




Aí eu fui crescendo, ouvindo e escrevendo histórias.

Nessa “ouvição”, aos poucos, a gente vai aprendendo o que é simples. E o simples é o que importa.

A gente descobre que o importante não é ser inteligente, mas ser sabido.

Aprende que a melhor lição não vem das palavras, mas do silêncio oco da árvore.



Percebe que ter um amigo é mais precioso que todo o reino da Mãe d’Ouro.

Começa a gostar das pessoas e da vida, de um jeito diferente. Sem pressa e sem firula. 

Bonitas por serem imperfeitas. 

Os prédios desabam, as roupas apodrecem, mas as histórias são bichinhos de mil pernas. Cai uma perna, nasce outra mais esquisita no lugar.

Porque as histórias saem sempre de pessoas e o que vale é isso.

Não são as coisas que a gente junta, mas as flores que a gente espalha.


Às vezes, a gente não cabe dentro da gente. Ainda assim, cada pessoa traz em si todas as histórias do mundo. 

E se a gente olhar direito, no fundo do olho do contador, consegue enxergar todos os contadores que vieram antes dele.

Ouvindo histórias, a gente aprende a ter coragem na vida,  se camaleoneia. 

Aprende a guardar o tempo no casco da tartaruga e a soltá-lo na água da cachoeira.

Contando e ouvindo histórias, quero fazer da minha vida um desenho tão bonito como o da Flora. E, um dia, ser sabida como a Dona Nenê.

Tati Baruel