segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O JULGAMENTO DE TONICO

   O Tonico era pau pra toda obra. Trabalhava pelas fazendas capinando, arrumando cerca, plantando, tirando leite, roçando pasto, fazia o que aparecesse.

   Todo dia ele passava pelo Cruzeiro e rezava. Depois tirava uma moeda do seu canudo e lançava pro santo. Antes de sair, olhava pro capinzal e dizia:

   - Tó uma moedinha procê também, sacizinho. Ê, coisinha!

   Assim acontecia no dia seguinte e no seguinte do seguinte.

   Num dia chuvoso, ruim para o trabalho, Tonico parou num sítio.

   - Bom dia, dona. Pode arrumar qualquer coisa pra eu comer? Estou com fome e sem dinheiro, mas até sexta-feira eu pago a senhora.

   A mulher fez um muxoxo e assentiu com a cabeça. Fritou dois ovos e ajeitou num prato com arroz e feijão frios.


   Tonico comeu com gosto.

   - Obrigado, senhora. Quanto é o prato, pra eu passar depois e pagar?

   A mulher tirou um papel e um lápis do bolso do avental e pegou a fazer contas. Pensou alto.

   - Dois ovos viram dois pintinhos, que viram um galo e uma galinha, que têm mais doze pintinhos, que viram seis galos e seis galinhas, que crescem...

   E tic tic tic no papel.

   Ao final de meia hora, a mulher disse quanto ficou. Tonico arregalou os olhos, pois era o preço de um sítio.

   - Isso é muito caro pra mim, dona. Eu sou só um capiau, trabalho aqui nas roças e não tenho esse dinheiro.

   - O senhor é quem sabe. Se não pagar, vou no juiz.

   E ela foi.

   O rapazote andava triste que só, não tinha ânimo pra mais nada.

   Mesmo assim, ainda passava no Cruzeiro, botava uma moeda pro santo e...

   - Tó uma moedinha procê também, sacizinho. Ê, coisinha!

   No dia de ir até o juiz, Tonico passou outra vez pelo Cruzeiro. Quando já ia saindo, começou a relampejar e o céu escureceu.

   Tonico então se deparou com um homem de chapéu, terno escuro e gravata vermelha. O homem estava num cavalo preto que tinha a crina toda trançada.

   - Que tem Tonico? Que cara é essa?

   - Ó pro cê vê...

   O moço contou a história e sua aflição por não ter um advogado.

   - Ara, Tonico! Eu sou advogado e vou ajudar você.

   - Fico agradecido, senhor. Mas eu não tenho dinheiro.

   - Não se preocupe. Esse é um típico caso de ardileza, minha especialidade – sorriu o advogado, ajeitando a gravata.

   O rapazote aprumou o corpo.

   - Vai indo que eu já chego lá, Tonico.

   O moço agradeceu mais uma vez e foi até a cidade. Chegou na hora marcada para o julgamento e ficou num canto, amassando o chapéu entre as mãos.

   O advogado não aparecia.

   Quando o juiz já estava de cara feia, chegou o advogado todo ofegante, batendo a poeira da barra da calça.

   - Senhor Meritíssimo, desculpe o atraso! É que eu estava plantando uma roça de feijão cozido.

   - Ora, seu advogado. Além de demorar, ainda vem com essa conversa? E feijão cozido lá brota, por acaso?

   - É verdade, Excelência! Feijão cozido não brota e ovo frito não dá pintinho.

   - Caso encerrado! – bradou o juiz, batendo seu martelo.

   Tonico, sem jeito, se aproximou do advogado.

   - Obrigado, doutor. Agora como eu faço pra pagar o senhor?

   - Ô, Tonico! A conta está paga! Você é o único que se lembrava de mim, lá no Cruzeiro.

   O advogado foi diminuindo de tamanho, seu chapéu se transformou numa carapuça vermelha e ele virou um Saci.

   Um redemoinho se formou no ar e o Saci doutor desapareceu sem deixar rastro.

   Dizem que foi a única vez que um Saci virou gente e aconteceu aqui, nessas bandas.



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