O Tonico era pau pra toda obra. Trabalhava pelas fazendas capinando, arrumando cerca, plantando, tirando leite, roçando pasto, fazia o que aparecesse.
Todo dia ele passava pelo Cruzeiro e rezava. Depois tirava uma moeda do seu canudo e lançava pro santo. Antes de sair, olhava pro capinzal e dizia:
- Tó uma moedinha procê também, sacizinho. Ê, coisinha!
Assim acontecia no dia seguinte e no seguinte do seguinte.
Num dia chuvoso, ruim para o trabalho, Tonico parou num sítio.
- Bom dia, dona. Pode arrumar qualquer coisa pra eu comer? Estou com fome e sem dinheiro, mas até sexta-feira eu pago a senhora.
A mulher fez um muxoxo e assentiu com a cabeça. Fritou dois ovos e ajeitou num prato com arroz e feijão frios.
Tonico comeu com gosto.
- Obrigado, senhora. Quanto é o prato, pra eu passar depois e pagar?
A mulher tirou um papel e um lápis do bolso do avental e pegou a fazer contas. Pensou alto.
- Dois ovos viram dois pintinhos, que viram um galo e uma galinha, que têm mais doze pintinhos, que viram seis galos e seis galinhas, que crescem...
E tic tic tic no papel.
Ao final de meia hora, a mulher disse quanto ficou. Tonico arregalou os olhos, pois era o preço de um sítio.
- Isso é muito caro pra mim, dona. Eu sou só um capiau, trabalho aqui nas roças e não tenho esse dinheiro.
- O senhor é quem sabe. Se não pagar, vou no juiz.
E ela foi.
O rapazote andava triste que só, não tinha ânimo pra mais nada.
Mesmo assim, ainda passava no Cruzeiro, botava uma moeda pro santo e...
- Tó uma moedinha procê também, sacizinho. Ê, coisinha!
No dia de ir até o juiz, Tonico passou outra vez pelo Cruzeiro. Quando já ia saindo, começou a relampejar e o céu escureceu.
Tonico então se deparou com um homem de chapéu, terno escuro e gravata vermelha. O homem estava num cavalo preto que tinha a crina toda trançada.
- Que tem Tonico? Que cara é essa?
- Ó pro cê vê...
O moço contou a história e sua aflição por não ter um advogado.
- Ara, Tonico! Eu sou advogado e vou ajudar você.
- Fico agradecido, senhor. Mas eu não tenho dinheiro.
- Não se preocupe. Esse é um típico caso de ardileza, minha especialidade – sorriu o advogado, ajeitando a gravata.
O rapazote aprumou o corpo.
- Vai indo que eu já chego lá, Tonico.
O moço agradeceu mais uma vez e foi até a cidade. Chegou na hora marcada para o julgamento e ficou num canto, amassando o chapéu entre as mãos.
O advogado não aparecia.
Quando o juiz já estava de cara feia, chegou o advogado todo ofegante, batendo a poeira da barra da calça.
- Senhor Meritíssimo, desculpe o atraso! É que eu estava plantando uma roça de feijão cozido.
- Ora, seu advogado. Além de demorar, ainda vem com essa conversa? E feijão cozido lá brota, por acaso?
- É verdade, Excelência! Feijão cozido não brota e ovo frito não dá pintinho.
- Caso encerrado! – bradou o juiz, batendo seu martelo.
Tonico, sem jeito, se aproximou do advogado.
- Obrigado, doutor. Agora como eu faço pra pagar o senhor?
- Ô, Tonico! A conta está paga! Você é o único que se lembrava de mim, lá no Cruzeiro.
O advogado foi diminuindo de tamanho, seu chapéu se transformou numa carapuça vermelha e ele virou um Saci.
Um redemoinho se formou no ar e o Saci doutor desapareceu sem deixar rastro.
Dizem que foi a única vez que um Saci virou gente e aconteceu aqui, nessas bandas.
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