sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A FEIRA CULTURAL "O QUE SE CONTA DAQUI..." FOI UM SUCESSO!

Olá amigos!


Confiram a matéria sobre a Feira Cultural realizada pela escola Palmyra Perillo (Santa Branca) e que teve como inspiração os livros "O Que se Conta Daqui..." e "Encantos e Malassombras de Jacarehy". Cliquem aqui:




E conheçam o blog da Feira.


Abraços!


Corpo Seco

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

BATE PAPO SOBRE O LIVRO NAS ESCOLAS RURAIS DE SANTA BRANCA

    Olá amigos! 

   No dia 06-09 e hoje (16-09), a autora Tatiana Baruel visitou as três escolas rurais de Santa Branca para um bate papo sobre o livro "Encantos e Malassombras de Jacarehy". São elas: "Profa Silvinha Cantinho Braga Campos", "Profa Marina Nogueira" e "Profa Maria Aparecida Fonseca".

    Eu não fui, mas a Tati me contou que foi muito divertido! No bate papo, as crianças fizeram perguntas sobre o livro, sobre a escritora e também contaram as histórias de assombração que sabiam. 

    Na escola Silvia Campos tinha até um saci preso numa garrafa, eita, ainda bem que eu fiquei por aqui...

    As fotos seguem abaixo.

    Abraços assombrosos!

    Corpo Seco

















segunda-feira, 5 de setembro de 2011

CONTAÇÕES

   Olá amigos!
   Em agosto realizamos dez contações da peça "Encantos e Malassombras de Jacarehy".
   Agora em setembro realizaremos outras e uma das abertas será na Biblioteca Municipal de Jacareí, no dia 12, às 19 horas.
   Confiram abaixo algumas fotos das apresentações e apareçam!
   Abraços assombrosos!
   Corpo Seco

                          Escola Amaury Teixeira Vasquez

                               Escola Aderbhal de Castro

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

SIMPATIAS

O principal ingrediente de qualquer simpatia é a fé.



Para não faltar alimento



Sirva ao São Benedito, o primeiro café que passar de manhã, numa xícara com pires. Agradeça ao santo por ter comida em casa e peça para que nunca falte.


Troque o café diariamente.



Para curar bronquite


Pegue um cascudo, aquele peixe que vive no fundo dos rios. A pessoa com bronquite deve cuspir na boca do peixe e devolvê-lo na água.


Feito isso, a bronquite sara.


Mas, lembre-se: nunca mais a pessoa poderá comer cascudo!



Para curar quebranto


Prepare um chá de hortelã ou pacová. Depois pegue um chifre de boi, queime-o no fogo e rale um pouquinho sobre o chá. Misture o pozinho do chifre do boi no líquido.


Sirva o chá quente pra criança ou adulto com quebranto, antes das seis da tarde. Depois da Ave Maria, não se aconselha dar chá de hortelã pra criança.



Para curar hepatite


Faça um chá de picão preto, pingue mel e sirva pro doente, todos os dias, até ele sarar. Vista-o com roupas vermelhas ou use um cobertor vermelho.


O vermelho é uma cor que protege não só da hepatite, mas de doenças, em geral.



Para tirar soluço de nenê


Retire um fiapo de lãzinha da roupa da criança e coloque na testa dela. Em poucos minutos, o soluço passa.

Para acabar com a verruga


Pegue três grãos de milho e passe-os na verruga, um de cada vez. Em seguida, jogue-os para uma galinha comer.


A pessoa que joga os grãos tem que ficar de costas para a ave. Se olhar a galinha que comeu os grãos, a simpatia não funciona.




Para curar caxumba


Pegue uma colher de pau e unte a parte de fora da colher com sebo. Passe a colher com sebo, indo do queixo até perto da orelha (de baixo pra cima), três vezes.



Para arrumar marido ou esposa


Dê um nó numa das fitas da bandeira do Divino e peça que Ele traga seu (sua) pretendente.


Se a bandeira do Divino não passar perto da sua casa, você pode amarrar uma fitinha no pé do Santo Antônio e fazer o mesmo pedido.



Para acalmar chuva brava


Jogue sal na terra, desenhando uma cruz e diga: “Vai embora pro mar salgado onde não faça mal a ninguém”.

                                                         (do livro Encantos e Malassombras de Jacarehy)
                                                                                                                            

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

MEU QUERIDO SANTO ANTÔNIO

   Em todos os lugares dessa terra cheia de fé, as moças casadoiras faziam de tudo para arrumar marido: de promessas a torturas de santo. O preferido era Santo Antônio.


   Na noite de treze de junho, elas deixavam uma bacia cheia d´água ao relento, pois acreditavam que poderiam ver o rosto do futuro marido no reflexo.


   E se não tivesse nada lá? Era um tal de amarrar o santinho de cabeça pra baixo ou colocar o pobre no poço, até aparecer um pretendente.


   E as orações então? Tinha uma que era:


   “Meu Santo Antônio querido
   Eu vos peço por quem sois
   Dai-me o primeiro marido
   Que o outro arranjo depois.”


   Tinha outra para os casos mais graves:


  “Meu Santo Antônio querido
   Meu santo de carne e osso
   Se tu não me dá marido
   Não tiro você do poço!”





   Maria Helena, a Leninha bordadeira, sempre fazia uma simpatia para casar.


   Teve um ano em que a Leninha colocou um pouco de cinzas nas mãos. Rezou pro Santo Antônio e abriu as mãos para ver a inicial do nome do seu amado. Que letra era aquela? T? Ou seria M?


   Passou um ano, mais um dia de Santo Antônio chegou e a moça fez várias simpatias, só para garantir.


   “Desta vez tem que dar certo.”


   Leninha fez a da bacia, a da maçã amarrada com dois coraçõezinhos, a da clara de ovo num copo com água, a do punhal na bananeira e a da fitinha.


   Antes de dormir, ainda colocou três feijões embaixo do travesseiro:  um feijão com casca, um com alguma casca e outro sem casca nenhuma. Essa simpatia era para saber se o seu marido ia ser rico, remediado ou pobre.


   Quando amanheceu, quanta esperança!


   Leninha foi logo conferir e lá veio o feijão pelado.


   - Ora Santo Antônio, um pobretão pra mim? Vá lá, contanto que venha!


   A moça olhou o copo com a clara de ovo e coçou a cabeça.


   - Hum... letra B? Ou será D? H?


   Depois foi ver a bacia. Fechou os olhos, respirou fundo e olhou.
Não apareceu nada.


   Respirou fundo mais uma vez e nadica de rosto do futuro marido.


   “Água? De certo meu esposo vai ser marinheiro!”


   Leninha tirou o punhal da bananeira e olhou a letra.


   “Seria um R? Também pode ser um U...”


   A moça estava desacorçoada.


   - Ai Santo Antônio, chega! Eu já tenho vinte anos e nada de marido. Já me enamorei do Zé carteiro, do Dito leiteiro, do Denão que toca na banda, o Maneco da venda e qual? Cadê o homem? Eu bordei tanto enxoval que meus dedos têm até calo!


   Antes de sair pra missa, arrematou:


   - Perdi a paciência com o senhor, santinho! Vou tomar esse Menino Jesus dos seus braços e só devolvo quando me aparecer
um príncipe!


   O tempo passou e eis que surgiu por aqui um violeiro. Seu nome era Leôncio, um tocador de primeira, desses que têm até guizo de cascavel na viola.


   Leninha e o violeiro se viram pela primeira vez na festa da padroeira. Daí em diante, foi um tal de Leninha suspirar daqui e o Leôncio suspirar de lá.


   Até que um dia, o violeiro colheu uma rosa vermelha e foi tocar embaixo da janela da moça.


   Marcaram o casamento.


   Leninha, já de bem com Santo Antônio, escolheu se casar bem no dia dele, treze de junho. Andava que era só elogios pro santinho e sorrisos pro violeiro.


   Na véspera do grande dia, a noiva foi dar a última conferida no vestido branquinho, antes de dormir. De repente, começou a escutar um zunzunzum vindo da rua.


   Os barulhos foram aumentando e virou um chororô alto, sem fim.


   Foi um deus-nos-acuda: o Zé, o Dito, o Denão e o Maneco chorando que nem bezerros desmamados embaixo da janela da Leninha.


   Até o pai da noiva teve que intervir, pegou a espingarda e botou todo mundo pra correr.


   A Leninha, com os olhos cheios d’água, pediu mil perdões pro Santo Antônio e quase não dormiu.


   No dia seguinte, foi casar de olhinhos inchados mesmo.


   O pai da moça, pelo sim pelo não, rumou pro casamento com a garrucha na cintura, pra evitar qualquer bagunça no enlace.


   O casamento aconteceu e o casal viveu feliz para sempre.


   A Leninha virou a devota mais fervorosa do Santo Antônio e nunca mais judiou dele.


   Todo ano, no dia treze de junho, Leninha e Leôncio faziam uma festa pro santinho, com fogueira e muita comida.


   O Leôncio tocava viola e contava suas histórias do tempo de tropeiro.


   A Leninha ensinava as simpatias pras moças e virou a madrinha de casamento mais concorrida de Jacareí.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O JULGAMENTO DE TONICO

   O Tonico era pau pra toda obra. Trabalhava pelas fazendas capinando, arrumando cerca, plantando, tirando leite, roçando pasto, fazia o que aparecesse.

   Todo dia ele passava pelo Cruzeiro e rezava. Depois tirava uma moeda do seu canudo e lançava pro santo. Antes de sair, olhava pro capinzal e dizia:

   - Tó uma moedinha procê também, sacizinho. Ê, coisinha!

   Assim acontecia no dia seguinte e no seguinte do seguinte.

   Num dia chuvoso, ruim para o trabalho, Tonico parou num sítio.

   - Bom dia, dona. Pode arrumar qualquer coisa pra eu comer? Estou com fome e sem dinheiro, mas até sexta-feira eu pago a senhora.

   A mulher fez um muxoxo e assentiu com a cabeça. Fritou dois ovos e ajeitou num prato com arroz e feijão frios.


   Tonico comeu com gosto.

   - Obrigado, senhora. Quanto é o prato, pra eu passar depois e pagar?

   A mulher tirou um papel e um lápis do bolso do avental e pegou a fazer contas. Pensou alto.

   - Dois ovos viram dois pintinhos, que viram um galo e uma galinha, que têm mais doze pintinhos, que viram seis galos e seis galinhas, que crescem...

   E tic tic tic no papel.

   Ao final de meia hora, a mulher disse quanto ficou. Tonico arregalou os olhos, pois era o preço de um sítio.

   - Isso é muito caro pra mim, dona. Eu sou só um capiau, trabalho aqui nas roças e não tenho esse dinheiro.

   - O senhor é quem sabe. Se não pagar, vou no juiz.

   E ela foi.

   O rapazote andava triste que só, não tinha ânimo pra mais nada.

   Mesmo assim, ainda passava no Cruzeiro, botava uma moeda pro santo e...

   - Tó uma moedinha procê também, sacizinho. Ê, coisinha!

   No dia de ir até o juiz, Tonico passou outra vez pelo Cruzeiro. Quando já ia saindo, começou a relampejar e o céu escureceu.

   Tonico então se deparou com um homem de chapéu, terno escuro e gravata vermelha. O homem estava num cavalo preto que tinha a crina toda trançada.

   - Que tem Tonico? Que cara é essa?

   - Ó pro cê vê...

   O moço contou a história e sua aflição por não ter um advogado.

   - Ara, Tonico! Eu sou advogado e vou ajudar você.

   - Fico agradecido, senhor. Mas eu não tenho dinheiro.

   - Não se preocupe. Esse é um típico caso de ardileza, minha especialidade – sorriu o advogado, ajeitando a gravata.

   O rapazote aprumou o corpo.

   - Vai indo que eu já chego lá, Tonico.

   O moço agradeceu mais uma vez e foi até a cidade. Chegou na hora marcada para o julgamento e ficou num canto, amassando o chapéu entre as mãos.

   O advogado não aparecia.

   Quando o juiz já estava de cara feia, chegou o advogado todo ofegante, batendo a poeira da barra da calça.

   - Senhor Meritíssimo, desculpe o atraso! É que eu estava plantando uma roça de feijão cozido.

   - Ora, seu advogado. Além de demorar, ainda vem com essa conversa? E feijão cozido lá brota, por acaso?

   - É verdade, Excelência! Feijão cozido não brota e ovo frito não dá pintinho.

   - Caso encerrado! – bradou o juiz, batendo seu martelo.

   Tonico, sem jeito, se aproximou do advogado.

   - Obrigado, doutor. Agora como eu faço pra pagar o senhor?

   - Ô, Tonico! A conta está paga! Você é o único que se lembrava de mim, lá no Cruzeiro.

   O advogado foi diminuindo de tamanho, seu chapéu se transformou numa carapuça vermelha e ele virou um Saci.

   Um redemoinho se formou no ar e o Saci doutor desapareceu sem deixar rastro.

   Dizem que foi a única vez que um Saci virou gente e aconteceu aqui, nessas bandas.



quinta-feira, 28 de julho de 2011

MINA

   Tiana benzedeira contava que tinha ouvido de sua avó uma história do tempo da escravidão.

   Era sobre Mina, uma criança escrava, guardada por bênçãos da madrinha, recomendada aos anjos e acompanhada por patuás.

   A tal menininha, que morava na Fazenda Siriema, irradiava uma sorte danada.

   Se tinha doce desandado e a criança se achegava, o doce consertava; a plantação florescia direitinho quando a menina ajudava a semear, e os bichos davam cria mais rápido se ela estava por perto.

   A sorte de Mina era tanta, que a sinhá da fazenda vizinha, queria roubá-la. A mulher achava que a criança traria fartura para as suas terras.

   Essa sinhá se chamava Virgília e era um tipo dado a fazer malvadeza.

   Até o olho da sinhá era ruim, invejoso. Pessoa de olho ruim é gente que foi batizada com quebranto.

   De vez em quando, a sinhá Virgília aparecia na Fazenda Siriema.
Vinha como quem não quer nada e tentava chegar perto da menina.

   Às vezes, a sinhá ficava só na porteira, com seu cão de guarda, olhando o movimento na fazenda.

   Sinhá Virgília queria tudo que era dos outros. Diziam até que ela já tinha roubado um terço de prata de sua prima.

   Na Fazenda Siriema, sumiam umas galinhas gordas. Ninguém nunca soube o paradeiro, mas o certo é que elas desapareciam sempre que a sinhá Virgília andava por lá.

   Numa manhã, Mina saiu da casa grande e foi brincar sozinha nos arredores do rio. Distraída na sua meninice, não viu quando a sinhá Virgília se aproximou.

   A sinhá agarrou o braço de Mina e a menina gritou, mas ninguém apareceu.

   Então Mina apertou os olhinhos pra não ver a cara da sinhá Virgília e nem a do cão de guarda da mulher.

   Foi aí que a Mãe de Ouro surgiu.

   Ninguém sabia direito o que era esse ser encantado. O povo dizia que parecia um pilão brilhante nas cachoeiras. Também falavam de uma luz que passava no céu de madrugada.

   A Tiana benzedeira contava que era uma mulher dourada e bondosa.

   E quando a Mãe de Ouro aparecia à noite, se penteando no rio Jaguari, caíam estrelinhas luminosas dos seus cabelos.

   Nesse dia, a Mãe de Ouro veio para salvar a Mina.

   A mulher encantada começou a brilhar tanto e tanto que a sinhá Virgília quase ficou cega na hora. Com tanta luz nos seus olhos, a sinhá largou a menina e saiu gritando.

   Mina foi levada pelas mãos da Mãe de Ouro e nunca mais apareceu.

   Só se sabe que no rio Jaguari, onde aconteceu o encantamento, sempre tinha uma mancha dourada na água.

   Era um cardume enorme e não havia pesca que desse fim nele.
Estava lá o tempo todo, até na Sexta-Feira Santa.

   A mancha de peixes dourados só sumiu quando as águas da barragem cobriram tudo.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

PROCISSÃO DAS ALMAS


   Passado o Carnaval, começava a Quaresma e as assombrações continuavam por aí.


   Dizem que, naquela época, a Quaresma era muito misteriosa.


   Os santos ficavam cobertos de pano roxo, ninguém ia pra caçada e não se tocava viola. À noite, o povo não saía de casa porque podia trombar com a Procissão das Almas.


   Essa procissão acontecia apenas uma vez em toda a Quaresma e era sempre na lua cheia. À meia-noite, o cortejo partia luminoso do cemitério, uma beleza de outro mundo.


   Quem fosse atrevido de abrir a janela, podia ver aquela procissão, que mais parecia de gente viva,  percorrendo as ruas da cidade, em filas compridas.


   As almas boas na frente, cantando. As ruins iam atrás.


   Numa sexta-feira de março, Luzia ficou costurando até tarde, mesmo sabendo que não se podia coser à noite. Naquele tempo, só as mortalhas eram costuradas fora de hora.


   A Luzia estava com o trabalho atrasado e nem deu pelota pra isso.


   “Não há de ser hoje que as almas vão aparecer.”


   Daí a pouco, bateram à sua porta.


   A costureira foi atender e viu uma mulher de preto, com uma vela na mão. Luzia logo achou que fosse alguém importante, porque a mulher era bem apessoada.


   A mulher, muito educada, perguntou se podia arrumar o coque que estava se desfazendo. Luzia indicou a penteadeira, a senhora elegante ajeitou o penteado e elas conversaram um pouco.


   Por fim, a mulher de preto agradeceu a gentileza e foi embora.


   Então a costureira notou que a mulher tinha esquecido a vela em cima da penteadeira e achou melhor devolver.


   Luzia pegou a vela e percebeu que estava segurando um osso. Sentiu um calafrio nas costas e ficou mais branca que o osso em suas mãos.


   Parecia que o tempo tinha parado.


   Luzia fechou a porta o mais rápido que pôde, correu pro quarto e começou a rezar. Nem conseguiu dormir, a imagem da mulher não saía da sua cabeça. Quando amanheceu, foi direto falar com o padre.


   - Minha filha, vamos rezar muito até a meia-noite.


   Na verdade, eles sabiam que a mulher de preto voltaria pra buscar a alma da costureira naquela noite, depois das doze badaladas. Só não sabiam como reverter essa situação.


   A notícia logo se espalhou por Jacareí e o compadre Quinzinho, que era benzedor dos bons, explicou tudo pra Luzia.


   Quinzinho conhecia bem esse trato e disse que a única forma da costureira se salvar, era levando dois recém-nascidos para protegê-la da mulher do outro mundo.


   E pra arranjar duas crianças recém-nascidas?


   O fato é que o Quinzinho arrumou.


   A noite foi chegando, a Luzia, o padre, o compadre e toda a cidade rezando.


   As casas se fecharam mais cedo do que já era costume. Pra se precaver, muita gente reforçou as trancas das portas e jogou água benta em tudo quanto era canto.


   A Luzia só enconstou a porta da rua, porque sabia que não ia adiantar trancar.


   Um pouco depois da meia-noite, a mulher de preto bateu na porta. Dessa vez, a Luzia reparou e viu que o olho da mulher não tinha fundo.


   Aí gelou tudo, até o último fio de cabelo da costureira.


   A mulher sem o fundo do olho entrou e não falou nada.


   A Luzia indicou a penteadeira, por educação. Pensou até em oferecer água porque sabia que água é abençoada, mas achou melhor não bancar a marota com assombração.


   - Você sabe o que eu vim buscar.


   Luzia engoliu em seco e mostrou o osso.


   Então a assombração deu uma olhadela para os bebês sobre a cama e se voltou à costureira:


   - Faz tempo que eu quero levar você, Luzia.


   A costureira quase desmaiou de medo.


   - Eu tinha certeza que seria dessa vez, mas você se safou. A inocência dessas crianças salvou sua alma.


   A mulher de preto olhou de novo os recém-nascidos e saiu sozinha.


   Com o rabo do olho, Luzia ainda teve tempo de ver a mulher de preto sumindo na escuridão.


   A artimanha do Quinzinho benzedor tinha funcionado.


   Os recém-nascidos eram apenas um encantamento. O raizeiro, conhecedor dos mistérios do mundo do além, mais uma vez conseguiu enganar uma assombração.

terça-feira, 12 de julho de 2011

NÃO ME LEVE A MAL, HOJE É CARNAVAL




     Contam que num Carnaval em Santa Branca começou a cair um  chuvaréu que não parou até a Quarta-Feira de Cinzas. E pra completar, ainda faltou luz durante todo o festejo.

     Nada disso foi motivo pra estragar a folia e o povo iluminou os bailes com lanternas de vela e papel celofane.


     Logo na primeira noite, apareceu na festa uma moça de cabelos cacheados, que morava em Jacareí. Dirceu, filho do comerciante Sarkis, se encantou por ela.
 

     A moça tinha uma beleza rara e até seu nome era diferente. Chamava-se Sílvia Joana.
 
     Os dois brincaram juntos o Carnaval. Todas as noites, quando acabava o baile, Dirceu queria levar Joana até Jacareí, mas ela nunca aceitava.
 

     Na Terça-Feira Gorda, a chuva apertou e Dirceu emprestou seu casaco para a moça se proteger. Era um casaco marrom, de modelo antigo, que tinha sido do avô dele.
 

     Joana agradeceu, disse que devolveria o casaco e o rapaz pediu o endereço dela para buscá-lo. Na verdade, Dirceu nem estava ligando muito para o casaco, o que ele queria mesmo era ver a moça de novo.
 

     A chuva continuou por um par de dias e logo que um solzinho apareceu, Dirceu foi até Jacareí. 

     O rapaz chegou numa casa, lá pros lados do Esmaga Sapo, e bateu na porta.


     O pai da Joana atendeu.
 

     Dirceu, um pouco engasgado, se apresentou e pediu permissão para falar com a moça. Disse ao senhor que tinha conhecido Sílvia Joana  no Carnaval e emprestado a ela seu casaco, por causa da chuva forte.
 

     Da porta, o pai virou-se e olhou firme nos olhos da mãe, que
estava na sala. Depois se voltou para o rapaz.


     - Não é possível que você tenha conhecido a Joana no Carnaval.


     Dirceu então imaginou que o pai era bravo e que, de certo, a Joana tinha ido escondida ao Carnaval em Santa Branca. Pensou rápido. 

     - Meu senhor, não tem com o que se preocupar. Eu posso garantir que sua filha se portou muito bem.


     - Não é possível...


     - Eu sei que a Sílvia Joana é uma moça de família. E, com todo respeito, queria dizer que as minhas intenções são as melhores.


     Os pais não falaram nada, só ficaram olhando o rapaz.


     - O senhor me autoriza a ver sua filha? 


     O pai olhou direto nos olhos do Dirceu.


     - A Joana já morreu, moço. Faz catorze anos.


     O rapaz, sem acreditar, achou que aquele era um jeito do pai espaventar os pretendentes da filha. Dirceu insistiu em ver a moça.


     Prosa aqui, prosa acolá, o pai tentava de todo jeito convencer o visitante de que a moça do Carnaval não era Sílvia Joana.


     E o rapaz continuou persistindo, pois o endereço que Joana tinha dado estava certo.


     Dirceu, mais empacado que mula em frente de corredeira, não queria arredar pé dali.


     Então o pai resolveu levar o moço até o Cemitério do Avareí para mostrar o túmulo da Joana com foto e tudo. Foram os dois pra lá.
 

     Nem precisaram chegar muito perto. Dirceu logo reconheceu seu casaco marrom pendurado na lápide da Joana.

     Com as pernas bambas, Dirceu picou a mula, meio torto mesmo, todo esquisito.


     O rapaz não tinha dançado com gente viva.



                                                 ...

     No Carnaval de antigamente era assim, as assombrações ficavam soltas por aí desde o sábado da folia.


     Se alguém olhasse um baile de Carnaval pelo buraco da fechadura e fizesse uma reza forte, enxergava as almas misturadas com os vivos que estavam no salão.


     Foliões deste e do outro mundo se confundiam, deixando o povo de cabelo em pé.

                                                                                                                        (do livro "Encantos e Malassombras de Jacarehy")                               

quinta-feira, 7 de julho de 2011

CORPO SECO GANHA UM DOM!

     Olá, amigos!

     Devido ao meu bom comportamento nos últimos meses, eu ganhei um dom: o de falar como uma pessoa desta época (2011) e entender o que vocês falam!

     Eu estava com muita dificuldade de me expressar e também de entender as gírias deste tempo, os costumes, etc, mas agora tô entendendo tudo, tá ligado? rsrsrs

     Amigos, agora eu tb estou no Facebook e o meu perfil é Corpo Seco. Também dá pra achar por Corpo Seco (Jacareí) .


     Tem uma página de Corpo Seco que não sou eu. A minha é um perfil pessoal mesmo e tem a minha imagem, essa que segue abaixo.

     Espero vocês lá!

     Abraços!

     Corpo Seco



quarta-feira, 6 de julho de 2011

O BOM PARTIDO

     Contam que, naquele tempo, havia uma moça muito bonita chamada Olívia. Tão formosa que todos os rapazes queriam se casar com ela. Fazia fila no portão da moça, mas ela desdenhava de todo mundo.

     Se o sujeito tinha um defeitinho, a Olívia logo descartava. Ela falava que só se casaria com um homem rico, bem apessoado e que soubesse francês.

     Até que numa tarde, apareceu um moço montado num cavalo alazão, com uma sela de prata reluzente.

     Este cavaleiro era diferente de todos os rapazes da região. Um sujeito bem apanhado, com dente de ouro e terno de linho inglês. E ainda por cima, falava seis línguas.

     Foi um fuzuê.

     Todas as moças queriam conhecer o cavaleiro, mas assim que ele viu a Olívia na janela, já foi tirando o chapéu.

     A Olívia logo quis se casar com o rapaz, ele era um sonho! E daí para marcarem o casamento foi ligeiro.

     Dona Isaldina nem acreditava que a filha ia desencalhar, finalmente tinha aparecido um moço de que a Olívia gostasse.

     O casamento foi uma boniteza só e a festa durou três dias.

     Porém, depois de um certo tempo, começaram a acontecer umas coisas estranhas...

     O moço não trabalhava, mas sempre tinha dinheiro na gaveta. E por onde ele passava ficava um cheiro forte no ar.

     A Olívia não estranhava nada.

     O rapaz era cheio de truques. Ateava fogo nos gravetos sem tocar neles, dançava numa corda bamba no quintal e fazia desaparecer algumas cartas do baralho. A Olívia ficava vermelha de tanto rir.

     Esse sujeito também não podia ver um bicho que já ia maltratando.Dava pimenta pro gato, cortava o rabo do cachorro, atirava em tudo quanto era passarinho.

     Num fim de tarde, assim que terminou de apurar o doce de abóbora, Dona Isaldina, chamou a Olívia num canto.

     - Ói, minha filha. Você tanto implicou com os moços desta cidade de, tanto escolheu, que acabou se casando com o Coisa Ruim.

     A Olívia escutou, até ergueu as sobrancelhas, mas não entendeu direito o que a mãe falou.

     - Pode deixar que eu dou um jeito nisso, filha.

     No dia seguinte, Dona Isaldina pegou uma rolha, fez uma reza forte, desenhou três cruzes na parte de cima da rolha e a guardou no bolso do avental.

     Quando o sujeito chegou da rua, Dona Isaldina já foi passando um cafezinho e colocando o bolo de fubá na mesa.

     - Eu vejo que você é um moço talentoso. Faz todos esses prodígios...

     O rapaz pegou uma fatia de bolo e sorriu, vaidoso.

     Aí, Dona Isaldina mostrou uma garrafa de vidro pra ele.

     - Mas acho que nessa garrafa você não consegue entrar.

     - Ah, isso é fácil, minha sogra.

     Num instante, o sujeito se desmanchou e foi pra dentro da garrafa.

     A sogra, mais do que depressa, pegou a rolha e tapou a garrafa. Lá estava o Coisa Ruim, presinho da silva. 

     
     Então, Dona Isaldina levou a garrafa pro brejo do Matutu e a enterrou. Às vezes, quando chovia e a taboa dobrava, o pessoal passava na estrada e escutava uma vozinha.

     - Me tira daqui, me tira daqui!

     Ninguém ia porque todo mundo sabia que era o diabo.

     O tempo passou. Dona Isaldina ficou velhinha, a Olivia não se casou mais e o alazão do cavaleiro sumiu.
Mas, como sempre tem um curioso, a história continuou...

     Num dia de agosto, depois de um toró, o tal do curioso foi ao brejo. Procurou, procurou, até que achou a garrafa enterrada, com o gargalo pra fora. A rolha da garrafa estava coberta de cera, que a sogra tinha colocado pra não apodrecer.

     Então, o curioso virou a garrafa de um lado, virou do outro e conseguiu tirar a rolha. Saiu o Coisa Ruim de lá, de rabo e chifre e falou:

     - Com sogra nem o diabo pode!

     E sumiu num estouro, deixando um cheiro de enxofre no ar.
                                                              (do livro "Encantos e Malassombras de Jacarehy")