quinta-feira, 18 de agosto de 2011

SIMPATIAS

O principal ingrediente de qualquer simpatia é a fé.



Para não faltar alimento



Sirva ao São Benedito, o primeiro café que passar de manhã, numa xícara com pires. Agradeça ao santo por ter comida em casa e peça para que nunca falte.


Troque o café diariamente.



Para curar bronquite


Pegue um cascudo, aquele peixe que vive no fundo dos rios. A pessoa com bronquite deve cuspir na boca do peixe e devolvê-lo na água.


Feito isso, a bronquite sara.


Mas, lembre-se: nunca mais a pessoa poderá comer cascudo!



Para curar quebranto


Prepare um chá de hortelã ou pacová. Depois pegue um chifre de boi, queime-o no fogo e rale um pouquinho sobre o chá. Misture o pozinho do chifre do boi no líquido.


Sirva o chá quente pra criança ou adulto com quebranto, antes das seis da tarde. Depois da Ave Maria, não se aconselha dar chá de hortelã pra criança.



Para curar hepatite


Faça um chá de picão preto, pingue mel e sirva pro doente, todos os dias, até ele sarar. Vista-o com roupas vermelhas ou use um cobertor vermelho.


O vermelho é uma cor que protege não só da hepatite, mas de doenças, em geral.



Para tirar soluço de nenê


Retire um fiapo de lãzinha da roupa da criança e coloque na testa dela. Em poucos minutos, o soluço passa.

Para acabar com a verruga


Pegue três grãos de milho e passe-os na verruga, um de cada vez. Em seguida, jogue-os para uma galinha comer.


A pessoa que joga os grãos tem que ficar de costas para a ave. Se olhar a galinha que comeu os grãos, a simpatia não funciona.




Para curar caxumba


Pegue uma colher de pau e unte a parte de fora da colher com sebo. Passe a colher com sebo, indo do queixo até perto da orelha (de baixo pra cima), três vezes.



Para arrumar marido ou esposa


Dê um nó numa das fitas da bandeira do Divino e peça que Ele traga seu (sua) pretendente.


Se a bandeira do Divino não passar perto da sua casa, você pode amarrar uma fitinha no pé do Santo Antônio e fazer o mesmo pedido.



Para acalmar chuva brava


Jogue sal na terra, desenhando uma cruz e diga: “Vai embora pro mar salgado onde não faça mal a ninguém”.

                                                         (do livro Encantos e Malassombras de Jacarehy)
                                                                                                                            

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

MEU QUERIDO SANTO ANTÔNIO

   Em todos os lugares dessa terra cheia de fé, as moças casadoiras faziam de tudo para arrumar marido: de promessas a torturas de santo. O preferido era Santo Antônio.


   Na noite de treze de junho, elas deixavam uma bacia cheia d´água ao relento, pois acreditavam que poderiam ver o rosto do futuro marido no reflexo.


   E se não tivesse nada lá? Era um tal de amarrar o santinho de cabeça pra baixo ou colocar o pobre no poço, até aparecer um pretendente.


   E as orações então? Tinha uma que era:


   “Meu Santo Antônio querido
   Eu vos peço por quem sois
   Dai-me o primeiro marido
   Que o outro arranjo depois.”


   Tinha outra para os casos mais graves:


  “Meu Santo Antônio querido
   Meu santo de carne e osso
   Se tu não me dá marido
   Não tiro você do poço!”





   Maria Helena, a Leninha bordadeira, sempre fazia uma simpatia para casar.


   Teve um ano em que a Leninha colocou um pouco de cinzas nas mãos. Rezou pro Santo Antônio e abriu as mãos para ver a inicial do nome do seu amado. Que letra era aquela? T? Ou seria M?


   Passou um ano, mais um dia de Santo Antônio chegou e a moça fez várias simpatias, só para garantir.


   “Desta vez tem que dar certo.”


   Leninha fez a da bacia, a da maçã amarrada com dois coraçõezinhos, a da clara de ovo num copo com água, a do punhal na bananeira e a da fitinha.


   Antes de dormir, ainda colocou três feijões embaixo do travesseiro:  um feijão com casca, um com alguma casca e outro sem casca nenhuma. Essa simpatia era para saber se o seu marido ia ser rico, remediado ou pobre.


   Quando amanheceu, quanta esperança!


   Leninha foi logo conferir e lá veio o feijão pelado.


   - Ora Santo Antônio, um pobretão pra mim? Vá lá, contanto que venha!


   A moça olhou o copo com a clara de ovo e coçou a cabeça.


   - Hum... letra B? Ou será D? H?


   Depois foi ver a bacia. Fechou os olhos, respirou fundo e olhou.
Não apareceu nada.


   Respirou fundo mais uma vez e nadica de rosto do futuro marido.


   “Água? De certo meu esposo vai ser marinheiro!”


   Leninha tirou o punhal da bananeira e olhou a letra.


   “Seria um R? Também pode ser um U...”


   A moça estava desacorçoada.


   - Ai Santo Antônio, chega! Eu já tenho vinte anos e nada de marido. Já me enamorei do Zé carteiro, do Dito leiteiro, do Denão que toca na banda, o Maneco da venda e qual? Cadê o homem? Eu bordei tanto enxoval que meus dedos têm até calo!


   Antes de sair pra missa, arrematou:


   - Perdi a paciência com o senhor, santinho! Vou tomar esse Menino Jesus dos seus braços e só devolvo quando me aparecer
um príncipe!


   O tempo passou e eis que surgiu por aqui um violeiro. Seu nome era Leôncio, um tocador de primeira, desses que têm até guizo de cascavel na viola.


   Leninha e o violeiro se viram pela primeira vez na festa da padroeira. Daí em diante, foi um tal de Leninha suspirar daqui e o Leôncio suspirar de lá.


   Até que um dia, o violeiro colheu uma rosa vermelha e foi tocar embaixo da janela da moça.


   Marcaram o casamento.


   Leninha, já de bem com Santo Antônio, escolheu se casar bem no dia dele, treze de junho. Andava que era só elogios pro santinho e sorrisos pro violeiro.


   Na véspera do grande dia, a noiva foi dar a última conferida no vestido branquinho, antes de dormir. De repente, começou a escutar um zunzunzum vindo da rua.


   Os barulhos foram aumentando e virou um chororô alto, sem fim.


   Foi um deus-nos-acuda: o Zé, o Dito, o Denão e o Maneco chorando que nem bezerros desmamados embaixo da janela da Leninha.


   Até o pai da noiva teve que intervir, pegou a espingarda e botou todo mundo pra correr.


   A Leninha, com os olhos cheios d’água, pediu mil perdões pro Santo Antônio e quase não dormiu.


   No dia seguinte, foi casar de olhinhos inchados mesmo.


   O pai da moça, pelo sim pelo não, rumou pro casamento com a garrucha na cintura, pra evitar qualquer bagunça no enlace.


   O casamento aconteceu e o casal viveu feliz para sempre.


   A Leninha virou a devota mais fervorosa do Santo Antônio e nunca mais judiou dele.


   Todo ano, no dia treze de junho, Leninha e Leôncio faziam uma festa pro santinho, com fogueira e muita comida.


   O Leôncio tocava viola e contava suas histórias do tempo de tropeiro.


   A Leninha ensinava as simpatias pras moças e virou a madrinha de casamento mais concorrida de Jacareí.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O JULGAMENTO DE TONICO

   O Tonico era pau pra toda obra. Trabalhava pelas fazendas capinando, arrumando cerca, plantando, tirando leite, roçando pasto, fazia o que aparecesse.

   Todo dia ele passava pelo Cruzeiro e rezava. Depois tirava uma moeda do seu canudo e lançava pro santo. Antes de sair, olhava pro capinzal e dizia:

   - Tó uma moedinha procê também, sacizinho. Ê, coisinha!

   Assim acontecia no dia seguinte e no seguinte do seguinte.

   Num dia chuvoso, ruim para o trabalho, Tonico parou num sítio.

   - Bom dia, dona. Pode arrumar qualquer coisa pra eu comer? Estou com fome e sem dinheiro, mas até sexta-feira eu pago a senhora.

   A mulher fez um muxoxo e assentiu com a cabeça. Fritou dois ovos e ajeitou num prato com arroz e feijão frios.


   Tonico comeu com gosto.

   - Obrigado, senhora. Quanto é o prato, pra eu passar depois e pagar?

   A mulher tirou um papel e um lápis do bolso do avental e pegou a fazer contas. Pensou alto.

   - Dois ovos viram dois pintinhos, que viram um galo e uma galinha, que têm mais doze pintinhos, que viram seis galos e seis galinhas, que crescem...

   E tic tic tic no papel.

   Ao final de meia hora, a mulher disse quanto ficou. Tonico arregalou os olhos, pois era o preço de um sítio.

   - Isso é muito caro pra mim, dona. Eu sou só um capiau, trabalho aqui nas roças e não tenho esse dinheiro.

   - O senhor é quem sabe. Se não pagar, vou no juiz.

   E ela foi.

   O rapazote andava triste que só, não tinha ânimo pra mais nada.

   Mesmo assim, ainda passava no Cruzeiro, botava uma moeda pro santo e...

   - Tó uma moedinha procê também, sacizinho. Ê, coisinha!

   No dia de ir até o juiz, Tonico passou outra vez pelo Cruzeiro. Quando já ia saindo, começou a relampejar e o céu escureceu.

   Tonico então se deparou com um homem de chapéu, terno escuro e gravata vermelha. O homem estava num cavalo preto que tinha a crina toda trançada.

   - Que tem Tonico? Que cara é essa?

   - Ó pro cê vê...

   O moço contou a história e sua aflição por não ter um advogado.

   - Ara, Tonico! Eu sou advogado e vou ajudar você.

   - Fico agradecido, senhor. Mas eu não tenho dinheiro.

   - Não se preocupe. Esse é um típico caso de ardileza, minha especialidade – sorriu o advogado, ajeitando a gravata.

   O rapazote aprumou o corpo.

   - Vai indo que eu já chego lá, Tonico.

   O moço agradeceu mais uma vez e foi até a cidade. Chegou na hora marcada para o julgamento e ficou num canto, amassando o chapéu entre as mãos.

   O advogado não aparecia.

   Quando o juiz já estava de cara feia, chegou o advogado todo ofegante, batendo a poeira da barra da calça.

   - Senhor Meritíssimo, desculpe o atraso! É que eu estava plantando uma roça de feijão cozido.

   - Ora, seu advogado. Além de demorar, ainda vem com essa conversa? E feijão cozido lá brota, por acaso?

   - É verdade, Excelência! Feijão cozido não brota e ovo frito não dá pintinho.

   - Caso encerrado! – bradou o juiz, batendo seu martelo.

   Tonico, sem jeito, se aproximou do advogado.

   - Obrigado, doutor. Agora como eu faço pra pagar o senhor?

   - Ô, Tonico! A conta está paga! Você é o único que se lembrava de mim, lá no Cruzeiro.

   O advogado foi diminuindo de tamanho, seu chapéu se transformou numa carapuça vermelha e ele virou um Saci.

   Um redemoinho se formou no ar e o Saci doutor desapareceu sem deixar rastro.

   Dizem que foi a única vez que um Saci virou gente e aconteceu aqui, nessas bandas.