terça-feira, 12 de julho de 2011

NÃO ME LEVE A MAL, HOJE É CARNAVAL




     Contam que num Carnaval em Santa Branca começou a cair um  chuvaréu que não parou até a Quarta-Feira de Cinzas. E pra completar, ainda faltou luz durante todo o festejo.

     Nada disso foi motivo pra estragar a folia e o povo iluminou os bailes com lanternas de vela e papel celofane.


     Logo na primeira noite, apareceu na festa uma moça de cabelos cacheados, que morava em Jacareí. Dirceu, filho do comerciante Sarkis, se encantou por ela.
 

     A moça tinha uma beleza rara e até seu nome era diferente. Chamava-se Sílvia Joana.
 
     Os dois brincaram juntos o Carnaval. Todas as noites, quando acabava o baile, Dirceu queria levar Joana até Jacareí, mas ela nunca aceitava.
 

     Na Terça-Feira Gorda, a chuva apertou e Dirceu emprestou seu casaco para a moça se proteger. Era um casaco marrom, de modelo antigo, que tinha sido do avô dele.
 

     Joana agradeceu, disse que devolveria o casaco e o rapaz pediu o endereço dela para buscá-lo. Na verdade, Dirceu nem estava ligando muito para o casaco, o que ele queria mesmo era ver a moça de novo.
 

     A chuva continuou por um par de dias e logo que um solzinho apareceu, Dirceu foi até Jacareí. 

     O rapaz chegou numa casa, lá pros lados do Esmaga Sapo, e bateu na porta.


     O pai da Joana atendeu.
 

     Dirceu, um pouco engasgado, se apresentou e pediu permissão para falar com a moça. Disse ao senhor que tinha conhecido Sílvia Joana  no Carnaval e emprestado a ela seu casaco, por causa da chuva forte.
 

     Da porta, o pai virou-se e olhou firme nos olhos da mãe, que
estava na sala. Depois se voltou para o rapaz.


     - Não é possível que você tenha conhecido a Joana no Carnaval.


     Dirceu então imaginou que o pai era bravo e que, de certo, a Joana tinha ido escondida ao Carnaval em Santa Branca. Pensou rápido. 

     - Meu senhor, não tem com o que se preocupar. Eu posso garantir que sua filha se portou muito bem.


     - Não é possível...


     - Eu sei que a Sílvia Joana é uma moça de família. E, com todo respeito, queria dizer que as minhas intenções são as melhores.


     Os pais não falaram nada, só ficaram olhando o rapaz.


     - O senhor me autoriza a ver sua filha? 


     O pai olhou direto nos olhos do Dirceu.


     - A Joana já morreu, moço. Faz catorze anos.


     O rapaz, sem acreditar, achou que aquele era um jeito do pai espaventar os pretendentes da filha. Dirceu insistiu em ver a moça.


     Prosa aqui, prosa acolá, o pai tentava de todo jeito convencer o visitante de que a moça do Carnaval não era Sílvia Joana.


     E o rapaz continuou persistindo, pois o endereço que Joana tinha dado estava certo.


     Dirceu, mais empacado que mula em frente de corredeira, não queria arredar pé dali.


     Então o pai resolveu levar o moço até o Cemitério do Avareí para mostrar o túmulo da Joana com foto e tudo. Foram os dois pra lá.
 

     Nem precisaram chegar muito perto. Dirceu logo reconheceu seu casaco marrom pendurado na lápide da Joana.

     Com as pernas bambas, Dirceu picou a mula, meio torto mesmo, todo esquisito.


     O rapaz não tinha dançado com gente viva.



                                                 ...

     No Carnaval de antigamente era assim, as assombrações ficavam soltas por aí desde o sábado da folia.


     Se alguém olhasse um baile de Carnaval pelo buraco da fechadura e fizesse uma reza forte, enxergava as almas misturadas com os vivos que estavam no salão.


     Foliões deste e do outro mundo se confundiam, deixando o povo de cabelo em pé.

                                                                                                                        (do livro "Encantos e Malassombras de Jacarehy")                               

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