quarta-feira, 8 de junho de 2011

CONTAÇÃO

     Naquele tempo, tudo era motivo pra contação.

    Debulhando milho, tomando café com biscoito, descansando de uma cavalgada, pintando a Bandeira do Divino. Sempre que alguém fazia alguma coisa, contava uma história.

    As cadeiras ficavam na varanda e a prosa rolava solta. Saía história malassombrada, encantada, história por demais.

    A vida era diferente. Quando o pai falava, o filho abaixava a cabeça. Um acordo era garantido com o fio do bigode. Se aparecia brotoeja, a mãe curava com simpatia. E vira e mexe, alguém topava com uma assombração.

    Havia muitos raizeiros e benzedeiras em Jacareí. Tinha simpatia, remédio e benzedura de tudo quanto é jeito. Pra arrumar marido, tirar quebranto, não faltar comida em casa, curar doenças e por aí vai.
  
     As benzedeiras e os raizeiros tiravam berne, verruga, bicho do pé, amarelão, bucho virado e até doença que ninguém sabia curar.

     O povo conta que existiam duas qualidades de assombração: as boas e as ruins.

    As boas eram as que ficavam por aí, coitadas, presas nesse mundo. Às vezes, era uma alma penada que procurava alguém pra terminar uma promessa não cumprida em vida.

     As assombrações ruins eram as escalabrosas, que assustavam e prejudicavam quem aparecesse pelo caminho.

     Como o Saci, que só reinava, escondia as coisas, trançava a crina dos cavalos e fazia muita arte. Dessas assombrações, o povo tinha medo até de falar o nome.

    Dizem que o tempo passava devagar e a Natureza era como a casa das pessoas. Todo mundo cuidava mais do rio, dos animais e das plantas.

     Naquela época, as coisas passavam a existir só de se falar nelas. O mundo encantado e o mundo real eram quase a mesma coisa.

                                                    (do livro "Encantos e Malassombras de Jacarehy")
                                                

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